Em 2040, igrejas católicas tradicionais serão transferidas para as evangélicas, que serão maioria no Brasil.
Foi
o maior susto que levei na minha quarta
idade. Em 2040, aos 80 anos, retornei a Belo Horizonte. Ao subir a rua
da
Bahia, vi, diante da histórica igreja de Lurdes, vi a placa em imagens
de
terceira dimensão: Igreja Renascimento do Senhor Verdadeiro. Não foi o
maior susto. Quase explodi meus aparelhos de monitoramento da saúde ao
descobrir que, ali perto, a igreja de Boa Viagem tinha
ganhado sua própria placa holográfica.
Agora era uma Universal do Reino
de Deus, pertencente ao maior bilionário brasileiro e um dos maiores do
mundo. Ele mesmo, Edir Macedo, o Júnior. O pai só não foi santificado
quando morreu porque evangélicos repudiam a existência de santos. Mas
bem que eles queriam santificar o velho criador do imperio religioso.
Quando
grandes líderes brasileiros queriam ouvir uma opinião de alguém sobre
temas sociais, econômicos ou políticos, recorriam a ele. Com um chip de
memória implantado no cérebro, Júnior tinha resposta para tudo. Baseado
nas sagradas escrituras, claro. Alguém se recorda da influência dos papas e. no Brasil, dos
bispos da igreja católica? Todos foram atropelados pela avassaladora
expansão da rede de igrejas evangélicas.
Exatamente em 2040, os
evangélicos ganharam a dianteira em relação aos católicos, na disputa
pelos rebanhos do divino. Que coisa. Pensar que os declarados
católicos eram 100% dos brasileiros nos tempos da Proclamação da
República, em 1889, quando os padres exerciam tanto poder político
quanto os delegados de polícia. E todos ou eram batizados ou morriam no pecado.
Católicos ainda eram ampla maioria em
1970, quanto representavam 91,8% da população. A partir daquele
período a queda se acelerou até chegar a
83% em 1991. A diminuição foi de 8,8% em 21 anos. A piora mais
significativa no quadro viria entre 1991 e 2010. Uma perda de 18,4% em
19 anos. Isto representou quase um por cento de perda ao ano (-0,97%).
Imagina só, a igreja católica era tida como doadora universal para os rebanhos.
Para cada 100 pessoas que deixaram de ser católicos, 72 foram para as
filiações evangélicas, 18 para os sem religião e 10 para as outras
religiões não cristãs. Uma pesquisa divulgada no Natal de 2016 já
mostrava que o percentual de católicos caia de 63% em 2010 para 50% em
2016, os evangélicos subiram de 24% para 29%, os sem religião de 6%, ateus e agnósticos incluídos, para
14% e as outras denominações ficaram constantes em 7%, no mesmo período.
Entre
1994 e 2016 a perda dos católicos foi de 1,14% ao ano.
Na época, já estavam claros os sinais de um aprofundamento da transição
religiosa e aceleração do processo de concorrência no Brasil e em
outros países da América Latina. Lembro que havia alguma empolgação com a
possibilidade de alguma mudança do cenário com a atuação do papa
Franciso. Não deu.
Na
verdade, agora, em 2040, Brasil e América Latina, países que perderam a grande onda de
oportunidades geradas pelos avanços tecnológicos das décadas anteriores,
seguem uma onda inversa de outros países. Na Europa, por exemplo, vários
países fecharam suas igrejas. A sociedade divide espaços entre
religiosos ortodoxos de religiões muçulmanas, uma ampla legião de ateus
assumidos e os seguidores da inteligência artificial. Confrontos são inevitáveis nessa sociedade de extremos.
Induzidos
pela necessidade de preencher as horas de ócio patrocinadas pela
ausência de trabalhos, os antigos prédios religiososforam transformadas
em centros culturais. Nem o Vaticano escapa do processo.
Mesmo
com a liderança alcançada, as igrejas evangélicas começam a sentir uma
concorrência crescente. Ateus são um grupo considerável, alvo, também no
Brasil, de ataques de grupos radicais na sociedade dominada pelos
religiosos extremados.
Mas são as religiões criadas
pela influência crescente da inteligência artificial que mais causam
inquietações entre os bispos milionários. Igrejas que misturam ciência e
religião, com acesso on line e por realidade virtual, prometem expansão
espacial, crescimento ilimitado e amor universal.
Desde
o momento em que foram criadas máquinas autônomas e sencientes - de
consciência - a humanidade vinha tentando entender o novo papel que
seria desempenhado pela tecnologia no campo das questões espirituais.
Máquinas podem sentir? E se podem ter consciência, poderão ter "acesso a
Deus?".
A maior parte dos comandantes das igrejas
jamais viram tais avanços como algo plausível. Mas não é uma posição
unânime. No começo da quinta década do século, Há correntes que pensam,
inclusive, que se humanos podem ser perdoados por seus pecados, a
superinteligência artificial, com qualidades perfeitamente humanas,
também pode receber o perdão divino.
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