sexta-feira, 12 de maio de 2017

O suicídio econômico dos cortes de investimentos em ciência

Colunista do The Guardian denuncia riscos gerados pela austeridade
Carlos Teixeira
Radar do Futuro


No campo das ciências, o mundo corre sério risco de ver pesquisas básicas perdendo investimentos, mesmo em países desenvolvidos, enquanto aumentam os lançamentos de inovações desnecessárias, mas de forte apelo ao consumo. Ou que atendem a um percentual limitado de pessoas. Serão os resultados expostos do crescimento da onda de austeridade que se expande pelo mundo, promovendo cortes em áreas estratégicas de pesquisas.

Em matéria publicada no site The Guardian, o colunista de tecnologia e política Ben Tarnoff faz uma forte crítica ao esvaziamento de investimentos governamentais em estrutura à onda que propicia exemplos como o da Juicero, empresa com sede em São Francisco, nos Estados Unidos, que vende um espremedor de US $ 400. A máquina produz o mesmo suco que qualquer pessoa faria ao espremer com as mãos as frutas. Até mais rápido.

A Juicero recebeu atenção especial da mídia e US$ 120 milhões em financiamento das empresas de capital de risco Kleiner Perkins Caufield & Byers e Google Ventures. Até que começou a cair a ficha de que a inovação é uma maneira cara de automatizar algo que você poderia fazer mais rápido sem o uso da máquina. "Um embuste", define o colunista.

Os acontecimentos envolvendo a start up refletem uma tendência de bloqueio, que certamente atingirá com força o Brasil, no atual momento de foco em medidas de austeridade. Para Tarnoff, cortes significarão a transformação dos Estados Unidos em um país anti-inovação, com perspectivas ainda mais severas diante das propostas da administração republicana do presidente Donald Trump. E as consequências não poderiam ser mais graves: a economia que produziu Juicero é a mesma que está criando dependentes de opiáceos em Ohio, mutilando trabalhadores da indústria automobilística no Alabama e expulsando famílias em Los Angeles.

"Como o setor público morre de fome, o setor privado cresce cada vez mais inchado e predatório" assinala o texto publicado no The Guardian. O colunista reitera que "a economia torna-se um mecanismo para tornar os ricos mais ricos, e o dinheiro que pode ser usado para financiar a próxima internet é alocado para carros esportivos e super iates. O resultado não é apenas menos invenções milagrosas, mas substancialmente crescimento mais fraco".

Desde a década de 1970, a economia americana tem crescido muito mais lentamente do que durante a sua idade de ouro de meados do século - e os salários têm sido reduzidos. A riqueza foi redistribuída para cima, onde se amontoa desperdiçadamente enquanto a massa das pessoas que a criaram continua a sua queda.

Prioridades


Para Ben Tarnoff, a Juicero não é algo fora de um padrão do sistema produtivo. Reflete processos mais profundos, evidentes tanto no Vale do Silício quanto na economia como um todo. Os fenômenos podem parecer mundos separados, mas estão intimamente ligados. "Quando as economias não inovam, o resultado é estagnação, desigualdade e todo o horizonte de desesperança que chegou a definir a vida da maioria dos trabalhadores hoje", assinala.

"É o sinal de um país cometendo suicídio econômico", avalia. A critica se estende à versão propagada popularmente sobre a capacidade de inovação dos gênios solitários que desaparecem em uma garagem, de preferência em Palo Alto, e emergem com uma invenção que muda o mundo. Histórias que colocam o empreendedor como motor do progresso tecnológico - "o visionário rápido, de risco, quebrando regras no molde de Steve Jobs".

São histórias, de fato, questionáveis, transformadas em clichês por uma imprensa global que cobre tecnologia como indústria de entretenimento, com a criação de mitos. Tarnoff argumenta que, ao contrário da crença popular, empreendedores costumam fazer inovações terríveis. "Deixado aos seus próprios meios, é muito mais provável que o setor privado impeça o progresso tecnológico do que fomente o crescimento."

Afinal, diz o colunista, inovação real é muito cara de produzir: envolve a transferência de somas extravagantes de dinheiro em projetos de pesquisa que podem falhar ou produzir um produto comercialmente inviável. Em outras palavras, exige muito risco - algo que, deixando de lado os mitos, as empresas capitalistas têm pouco apetite.

Parece consensual que empresas precisam de avanços para construir negócios, mas geralmente não podem - ou não se interessam em - financiar o desenvolvimento dessas descobertas. Então, de onde vem o dinheiro? Do governo. Seja nos Estados Unidos ou na China e Coreia do Sul, assim como no Brasil - onde não haverá em breve, por sinal.

Demonstrações do papel estratégico do setor público no desenvolvimento da inovação são encontradas no livro "O Estado Empreendedor", de Mariana Mazzucato. A autora demonstra que  quase todas as grandes inovações desde a segunda guerra mundial têm exigido um grande esforço do setor público, por uma razão óbvia: o setor público pode se dar ao luxo de assumir riscos que o setor privado não pode.

As informações coletadas negam a "sabedoria convencional", para quem as forças de mercado promovem a inovação. "Na verdade, é o isolamento do governo das forças de mercado que historicamente fez dele um inovador bem-sucedido", assegura Ben Tarnoff. De energia ao setor farmacêutico, do boom de gás de xisto para lucrativo segmento de drogas para saúde, a pesquisa pública em toda parte colocou as bases para o lucro privado.

Os avanços que criaram o que chamamos de tecnologia - o desenvolvimento da computação digital, a invenção da Internet, a formação do próprio Vale do Silício - foram o resultado de investimentos governamentais sustentados e substanciais. Mesmo o iPhone, emblema célebre da criatividade capitalista, não existiria sem baldes de dinheiro do governo. Suas tecnologias centrais, desde a tela de toque ao GPS até Siri, traçam suas raízes até a pesquisa financiada publicamente.

Mais recentemente, entretanto, a austeridade destruiu a capacidade de inovação do governo. Como parte da economia, o financiamento da pesquisa vem caindo há décadas. Agora está sendo cortado para seu nível mais baixo como uma porcentagem do PIB em quarenta anos. E os republicanos querem vê-la cair ainda mais: o projeto de orçamento que Trump lançou em março promete reduções profundas no financiamento da ciência.

Décadas de reduções de impostos também prejudicaram o potencial inovador da sociedade norte-americana, segundo o colunista. "Ironicamente, esses cortes foram vendidos como medidas para estimular a inovação, desencadeando o dinamismo do setor privado. A maior queda no imposto sobre ganhos de capital surgiu no final da década de 1970, quando a Associação Nacional de Capital de Risco pressionou com sucesso o congresso norte-americano para reduzir a taxa pela metade, alegando que os VC criaram a internet. Foi assim que obtivemos um código tributário sob o qual Warren Buffett paga uma alíquota de imposto menor do que a de seu secretário.


Ben Tarnoff aproveita para desmistificar o papel desempenhado pelas empresas de capital de risco. Primeiro ponto a considerar, é o fato de que elas não criaram a internet, é claro. Para o colunista, na verdade as VC são a antítese da inovação. "Elas são anti-inovação", denuncia. No final das contas, elas tendem a apoiar iniciativas de baixo risco. Ou "bobagens como o Juicero, ou empresas sobrevalorizadas que servem como veículos lucrativos para a especulação financeira", denuncia.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seus comentários