quinta-feira, 24 de março de 2016

Novas exigências para o trabalhador

Empresas e trabalhadores têm de se transformar em ecossistemas de colaboração - com as suas próprias regras e filosofia da comunidade
Carlos Plácido Teixeira
Jornalista e analista de tendências

Discussões recentes sobre os impactos das inovações tecnológicas no cotidiano, em especial sobre o mercado de trabalho, polarizam visões pessimistas e otimistas sobre o futuro. O pensamento bipolar entre aqueles que imaginam um cenário de oportunidades novas, com a eclosão de atividades produtivas inexistentes hoje, e aqueles que esperam a substituição do trabalho em massa e o deslocamento dos empregos ganham espaço nas discussões das mídias e na literatura. Para os otimistas, um cenário de categorias ilimitadas de trabalho, com a criação de novas funções, e perspectivas que melhoram a produtividade de trabalhadores, liberando de rotinas estafantes. Os pessimistas, enxergam o caminho de uma crise com efeitos negativos para toda a sociedade.

O cenário que divide acadêmicos, executivos e líderes trabalhistas está mais próximo de se tornar realidade. A maturidade da revolução tecnológica, principal motor das transformações do ambiente global, não deixa dúvidas de que o momento chegou para oferecer respostas. Já como sinal do que vem pela frente, no cenário atual, o significado do trabalho atravessa atualmente o limite entre o presente e o futuro. A unir os polos de céticos e otimistas, consolida-se a convicção de que os conceitos sobre as atividades e as relações produtivas vão mudar.

De um lado, por conta do cenário das empresas. Durante praticamente dois séculos, elas ocuparam o papel de criadoras centrais das oportunidades de emprego. Há sinais fortes sobre a tendência de que elas deixem de ser criadoras de vagas suficientes para absorver a demanda dos desejam manter a definição tradicional de postos de trabalho. E as novas gerações, com formação digital, mais propensas a deter o conhecimento necessário para a nova economia, parecem ter pouco apetite para empregos e carreiras, em empresas que oferecem muita estrutura, mas pouca realização pessoal.

Rick Goings, presidente da Tupperware Brands Corporation, fabricante global de produtos de plástico, acredita que o mundo deve encarar o fato de que está enfrentando uma crise tripla: os empregos estão desaparecendo, as empresas enfrentam dificuldades para encontrar profissionais com competências adequadas às suas demandas e as pessoas estão preocupadas com os impactos das novas tecnologias sobre a capacidade de sobrevivência no futuro.

Para o executivo, a questão deve ser encarada em sua complexidade. Não basta pensar apenas em estratégias para criar empregos. "É necessário desenvolver novos modelos de trabalho", avalia. "Temos de desenvolver conceitos que forneçam a flexibilidade e resiliência necessária para que as pessoas prosperem em meio a essa enorme perturbação", afirma.

Nem é só uma questão de avanços das tecnologias. O processo passa pelo reconhecimento de que em países como o Brasil, França e Alemanha mais empregos são perdidos do que gerados. Estados Unidos e China são, segundo um levantamento do Fórum Econômico Mundial, exceções, com projeções de ganhos maiores que perdas. Também é necessário entender que as cartas do futuro estão postas na mesa. As empresas mais valiosas do mercado atual, como a Apple, empregam, proporcionalmente, um número pequeno de pessoas, considerando as empresas mais antigas, como a IBM em sua era de ouro.

Mas nem assim o cenário parece mais tranquilo. "Há uma mudança tectônica tão dramática quanto a industrialização e a urbanização", avalia Goings, para quem as transformações que estão ocorrendo agora em todo o planeta são causados por fatores que não podem ser alterados. Para o executivo, três forças pressionam o mercado: a tecnologia, disponibilidade de talentos e a geração do milênio.

A velocidade e a amplitude da inovação atual afetam cada trabalho individual e o conjunto das habilidades. Automação, inteligência artificial, análise de big data, internet das coisas e tecnologias móveis estão nivelando o campo de jogo. Independente de localização e porte, todas as empresas estão sendo afetadas. Como resultado das pressões tecnológicas, o Fórum Econômico Mundial prevê que haverá uma perda líquida de empregos de 5,1 milhões de empregos até 2020.

O avanço da tecnologia esbarra, contraditoriamente, na falta de qualificação da mão de obra. Goings acredita que os sistemas de educação atuais, como fenômeno global, não conseguem acompanhar o rápido ritmo de mudanças. Os graduados de hoje estão prontos para os empregos disponíveis, mas defasados para as novas demandas. Eles enfrentarão as barreiras do despreparo, sem habilidades especiais necessárias para garantir a inserção no mercado de trabalho.

A geração do Milênio, formada pelos que atualmente têm entre 21 e 34 anos de idade complementa o trio de forças na avaliação do executivo da Tupperware. Ele assinada que, em 10 anos os integrantes desse grupo comporão 75% da força de trabalho global. "Eles são diferentes, muito diferentes", acredita o executivo. Além de nascidos no ambiente digital - nativos digitais -, eles detêm um conjunto diferente de valores. Buscam um propósito em suas vidas, demandam flexibilidade para o tempo e um equilíbrio saudável entre vida pessoal e trabalho. O empreendedorismo está no radar deles como algo natural da idade.

Revisão

No cenário que está sendo armado, nem empresas, nem governos serão capazes de assumir o papel de motores sustentáveis da criação de empregos. Para clarear caminhos, uma alternativa é tentar entender o que as pessoas faziam nos anos 1800, antes ainda da revolução industrial estimular a criação de postos de trabalho. Pessoas trabalhavam para si, na agricultura, ou como artesãos, comerciantes ou de outras formas, como parte das economias locais. Os trabalhos artesanais não tinham escala e eram baseados na necessidade.

Rick Goings aposta na colaboração como fator central do novo modelo de trabalho no horizonte do futuro. Focado na perspectiva de indivíduos, o executivo avalia que o sucesso na inserção dos novos profissionais no sistema produtivo vai depender de modelos de negócios que integrem habilidades e interesses pessoais e a capacidade mental para trabalhar colaborativamente.

Além da necessidade de treinamento em habilidades da educação formal, em ciências, tecnologia, engenharia e matemática, os futuros profissionais são cobrados a desenvolver habilidades não cognitivas, pessoais, como criatividade, disciplina pessoal, organização, desenvoltura, relacionamento social e resistência, entre outros. As características que não são aprendidas nas escolas.

O executivo da Tupperware utiliza exemplos do aplicativo Uber e de espaços de co-work como sinais do novo conceito de trabalho: autônomo, capaz de cruzar competências pessoais com conhecimentos sobre tecnologias. Em tese, quem oferece serviços como motorista é um cidadão que utiliza habilidades já apreendidas: O uso de tecnologia do celular e o domínio da função de motorista. Da mesma forma, quem fornece um espaço de trabalho compartilhado, co-work, aproveita recursos disponíveis.

Profissionais serão prestadores de serviços para corporações, que terão de abandonar suas hierarquias e estruturas tradicionais. A força da Apple e do Google vem, para Going, dos produtos desenvolvidos, mas a partir da colaboração dentro dos grandes ecossistemas criados. Ou a Nike, empresa global onde designers e profissionais de marketing são apoiados por empresas de colaboração e indivíduos. Assim, para sobreviver, as empresas têm de se reinventar como aglutinadores de profissionais, gerando o novo modelo de relacionamento e de produção.

Empresas e trabalhadores têm de se transformar em ecossistemas de colaboração - com as suas próprias regras e filosofia da comunidade - em que os indivíduos podem ser conectados em suas habilidades. "A economia da colaboração pode ser o nosso novo modelo de trabalho", avalia Going. Isto pode obrigar as empresas a mudar seu modelo de negócio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seus comentários