segunda-feira, 1 de junho de 2015

O grafeno é apenas o começo

“Há muitos materiais a descobrir e estudar. Não dá nem para dizer que estamos na ponta do iceberg. O número de sistemas bidimensionais é imenso e só agora estamos olhando para eles”, disse o físico brasileiro Antônio Hélio de Castro Neto.

Agência FAPESP
Heitor Shimizu, de Barcelona –

O grafeno é o protagonista de uma onda tecnológica que poderá levar ao desenvolvimento de computadores ultrarrápidos, transistores com a espessura de átomos, dispositivos médicos mais seguros ou aparelhos eletrônicos flexíveis que podem ser dobrados e colocados no bolso, entre inúmeras inovações, não está sozinho. Ele é apenas um entre muitos novos materiais chamados de bidimensionais – por serem formados por camadas planas e simples de átomos ou moléculas – que chegam juntos com o potencial de iniciar uma revolução científica e tecnológica de dimensões imprevisíveis. 

A grande maioria dos novos materiais ainda é desconhecida, segundo Antônio Hélio de Castro Neto, diretor do Centre for Advanced 2D Materials and Graphene Research Centre da National University of Singapore. O potencial do versátil material derivado do grafite tem como base suas propriedades notáveis, como a dureza (200 vezes mais que o aço) associada à extrema leveza e espessura (1 milhão de vezes mais fino que um fio de cabelo) e a capacidade de conduzir calor e eletricidade mais do que qualquer outro material conhecido.

“Há muitos materiais a descobrir e estudar. Não dá nem para dizer que estamos na ponta do iceberg. O número de sistemas bidimensionais é imenso e só agora estamos olhando para eles”, disse o físico brasileiro durante a FAPESP Week Barcelona, evento realizado nos dias 28 e 29 de maio na capital da Catalunha, na Espanha.

“Há também as heteroestruturas tridimensionais, cujo campo, ainda em sua infância, também será muito grande e com enorme valor econômico por causa do potencial de aplicações”, disse o pesquisador. Castro Neto é professor visitante no Centro de Pesquisas Avançadas em Grafeno, Nanomateriais e Nanotecnologia (MackGraphe) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), em São Paulo, inaugurado em 2014 e que tem apoio da FAPESP

“A UPM está investindo US$ 20 milhões e a FAPESP outros US$ 5 milhões por meio do programa SPEC [São Paulo Excellence Chairs].  “Essencialmente, essa é uma área que tem muito a oferecer”, disse. O MackGraphe e o centro em Cingapura atuam em colaboração, por meio de um acordo assinado pela UPM com a University of Singapore.

Materiais complementares

O trabalho de pesquisa para a obtenção do grafeno – cuja existência teórica havia sido descrita há décadas – resultou no prêmio Nobel de Física de 2010 para Andre Geim e Konstantin Novoselov, da University of Manchester.

“O grafeno é obtido do grafite, que nada mais é do que um punhado de camadas de grafeno posicionadas uma em cima da outra. Ao se esfoliar o grafite, obtemos um material com a espessura de um átomo, feito de carbono puro”, explicou Castro Neto.

Ele contou que em 2005, o potencial dos cristais bidimensionais – não apenas do grafeno – já havia sido destacado por Geim e Novoselov em artigo publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences.

“Eles perceberam que o grafeno não era o único material que se podia obter na forma isolada. No fantástico artigo Two-dimensional atomic crystals mostraram que o mesmo processo utilizado para o grafeno podia ser empregado em outros materiais”, disse.

“Esse artigo abriu o novo campo dos cristais bidimensionais ainda que, em certo sentido, o grafeno se constitua um campo próprio, uma vez que é o sistema mais explorado, o mais estudado”, disse. Muitos dos novos materiais têm propriedades complementares e poderão ser empregados em conjunto com o grafeno, em um número de combinações teoricamente ilimitado.

Castro Neto conta que um desses novos materiais é o dissulfeto de molibidênio. Outro é o fosforeno, formado por folhas simples de fósforo e com propriedades semicondutoras, que vem sendo estudado com muita ênfase pelo grupo do pesquisador em Cingapura. Há também o TMDC (de “Transition metal dichalcogenide”). E muitos outros que começam a aparecer em laboratórios pelo mundo.

“Esses novos materiais têm propriedades ópticas não triviais. Eles são finos e macios, como membranas, e não como os sólidos conhecidos. Sua maciez reflete em suas propriedades eletrônicas”, disse.

“Costumo dizer que esta é a característica mais particular desses materiais bidimensionais, o fato de serem membranas. Eles têm superfícies puras, sem irregularidades e suas propriedades eletrônicas podem ser modificadas pela aplicação de forças. Podemos esticá-los ou modificá-los quimicamente. Um dos grandes ganhos de quando se trabalha com esses materiais é a funcionalização química”, disse.

Castro Neto falou sobre alguns dos desafios da pesquisa com esses novos materiais, como a dificuldade de produzi-los, seja em laboratório ou ainda mais em escala industrial. “A esfoliação leva muito tempo. Estamos esperando que os engenheiros criem novas tecnologias capazes de manipular mecanicamente esses cristais bidimensionais. Acho que a robótica poderá ajudar muito nesse sentido”, disse.

“A ciência da computação também terá um papel fundamental nessa exploração, sem dúvida alguma. Como estamos falando de materiais complexos, não podemos fazer modelamentos simples. Se não tivermos poder computacional, não saberemos o que está ocorrendo”, disse Castro Neto.

“Esse é um campo empolgante no qual, diferentemente de outros, há surpresas. E acho que isso é o mais entusiasmante na ciência: quando se tem surpresas”, disse.

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