Nos próximos anos, parcela significativa da classe média e de representantes da população de alta renda vai migrar para as igrejas pentecostais. Nas áreas nobres das grandes cidades, hotéis e espaços de eventos recebem os cultos, frequentados por executivos, profissionais liberais e empresários.
Os novos grupos de fiéis refletem insatisfações com os dogmas e rituais da Igreja Católica insuficientes e, ao mesmo tempo, indicam o repúdio a métodos e prioridades das chamadas Igrejas Neopentecostais, apontadas como exploradoras de pobres.
Entre neopentecostais e pentecostais as semelhanças podem ser muito maiores do que o discurso tradicional da mídia pode revelar. Grande número de frequentadores de ambas busca a mesma salvação da alma pelo viés da realização financeira. As crises pessoais, econômicas, conjugais ou de relacionamento, estão no centro do discurso dos fieis de novos movimentos de fieis.
Por trás de todos os fenômenos, subsistem dois tipos de caminhos para reflexão. Uma parte, segue a busca do entendimento sobre as razões da existência, tentando compreender a sociedade pelo ponto de vista da religião. Na ponta oposta, os mesmos textos bíblicos servem para explicar e justificar a ambição em sobreviver com maior conforto.
O discurso central desta nova teologia é a crise econômica. A Adhonep e as igrejas em geral adeptas do culto pró-prosperidade veiculam um discurso enfático que visa especialmente àqueles que vivem crises e almejam melhores condições de vida, atrelando as mudanças positivas aos efeitos milagrosos da fé.
Os salões de culto, excetuando-se as comunidades pentecostais periféricas, misturam gente que se veste de modo simples, com outros que ostentam artigos de griffe; entre os que se encontram no espaço comum de adoração, uns chegam em carros novos nacionais ou importados, vindos de bairros elegantes, outros chegam em transporte coletivo vindo de vários pontos dos subúrbios e da periferia.
Novas comunidades pentecostais já nascem longe da periferia e dos meios populares; seus cultos são realizados em salões de hotéis e em buffets; seus membros são profissionais liberais, funcionários públicos, militares graduados, profissionais e executivos bem remunerados, empresários de micro ou médias empresas. São gente que participa da agenda social característica de sua classe. Existe no Brasil desde o fim da década de 1970 uma associação pentecostal que agrega milhares de pessoas do mundo dos negócios[1]. O público consumidor de artigos pentecostais não é mais o mesmo de décadas atrás.
A presença medrante de membros dos segmentos médios da sociedade no pentecostalismo é fato inusitado no campo de pesquisa da Sociologia da Religião no Brasil[2]; consiste num acontecimento recente que contraria os prognósticos da maioria dos trabalhos que analisaram noutras épocas a presença da Igreja Pentecostal no Brasil e viram nela uma fraternidade de pobres. Rumando em sentido contrário ao catolicismo e ao protestantismo, que estiveram sempre próximos dos grupos situados nas faixas intermediárias e no topo da pirâmide social, o pentecostalismo nasceu e se desenvolveu entre os pobres, marco de sua gênese tanto no Exterior, Estados Unidos – 1907, como na América Latina e no Brasil em 1910[3].
O que estaria ocorrendo com os antigos valores sociais da religião pentecostal? Durante décadas, essa modalidade religiosa foi reconhecida pelo meio científico e pelos media como sendo uma instituição que dera suporte sagrado ao gemido dos pobres e, através do rito, criara uma teodicéia compensatória às ausências materiais vividas pelos socialmente desfavorecidos. Como essa identidade de classe estaria sendo quebrada de modo que a crença gradativamente deixa de ser exclusiva dos excluídos, passando a exercer contínua atração sobre gente oriunda de setores que estão além da zona da pobreza?
De outro lado indaga-se: o que aconteceu com os ideais religiosos dos segmentos médios da população? Os grupos que estão para além da faixa da pobreza tendiam a ser religiosamente orientados por determinações racionais, menos afeitos ao emocionalismo e mais aptos à reflexão. O que mudou nos horizontes culturais de um número considerável de membros desses grupos sociais que se deslocam aos recintos pentecostais a fim de consumir bens mágicos e encontrar no misticismo religioso subsídios para satisfação de demandas existenciais?
As instituições religiosas são de natureza histórica e se estabelecem historicamente em função do diálogo com a cultura geral da sociedade. As alterações que acometem as formas institucionais de uma crença ao longo de sua existência não são acontecimentos exclusivamente particulares ao campo religioso. Não existe comunicação nem práticas religiosas sem contexto; as formas de crer são respostas que nascem da interação das pessoas com os ambientes. Sendo um acontecimento humano de natureza coletiva, a crença é resultado de conjunturas sociais dispostas em etapas inter-relacionadas, dentro de processos cumulativos, numa rede de fatos que exercem influência nas formas de simbolização religiosa dos indivíduos (James, 1995 e Houtart, 1994). Evidentemente que as alterações na produção e no consumo de bens pentecostais no Brasil não ocorre fora de uma conjuntura cultural que em parte as explica.
Em princípio se deve entender que a presença de pessoas dos segmentos médios da sociedade no pentecostalismo não se apóia exclusivamente na apropriação de regras mercadológicas por parte da crença, como se os fenômenos inerentes ao campo religioso estivessem sob direta e exclusiva influência dos agentes econômicos (externos). Com efeito, não basta analisar a proximidade entre pentecostalismo e segmentos médios para em seguida submetê-la a regras de interpretação mercadológicas, concebendo as práticas pentecostais isoladamente como implementadoras de métodos institucionais do mundo econômico. Mesmo que se considere o vultoso valor que o setor econômico assumiu a partir da secularização da sociedade (Berger, 1985), passando a influenciar os demais campos sociais, seria um grave equívoco imaginar que as pessoas viriam exclusivamente obter, no meio pentecostal, bens que o mercado se tenha negado a dar.
Há possivelmente uma explicação mais ampla para os vínculos que associam o culto pentecostal a determinados segmentos das camadas médias: o desencadeamento de transformações nas características gerais da produção e do consumo social de bens de salvação, sob influência de novas tendências de consumo do mercado[4]. Nesse contexto de análise, a cultura do máximo consumo teria a sua versão pentecostal traduzida pela teologia da prosperidade[5]. Isto aponta para uma possível interseção de fatores envolvendo a natureza fluída da crença pentecostal e os novos anseios do consumo social.
A teologia da prosperidade é o mais recente produto da racionalidade pentecostal e consiste num tipo de materialização do sucesso e da proeminência social. Sua ética tem promovido um considerável deslocamento da ênfase doutrinária pentecostal, subtraindo o acento direcionado à felicidade do espírito no porvir celestial e priorizando as benesses do corpo no tempo presente. Sob a bandeira da prosperidade, os segmentos médios estariam sendo atraídos, não mais em proporções numericamente reduzidas, como ocorria antes da década de 80, na qual o convertido das camadas médias renunciava aos valores próprios de sua classe e assimilava os valores das classes populares sacralizados pela doutrina pentecostal:
Você pode escrever o que vou lhe dizer: Deus vai virar este país pelo avesso; usará para isso, de maneira poderosa, uma multidão de homens de negócio. Deus está libertando muitos homens de negócio, resolvendo muitos problemas de casais, convertendo famílias. Quando atingirmos o Brasil de norte a sul esta nação vai mudar. Muitos pequenos empresários se tornaram grandes empresários. Aprenderam o segredo para que suas finanças crescessem. Sendo fiéis no dízimo e nas ofertas, as janelas do céu são abertas, isto é, novas portas de negócios surgem à nossa frente. São incontáveis os empresários que são abençoados, pelo fato de estarem agindo em harmonia com a Palavra de Deus. É que ela não falha! E foi justamente isso que progressivamente foi acontecendo. A Adhonep é hoje uma instituição nacional conhecida e respeitada de norte a sul [6].
O discurso central desta nova teologia é a crise econômica. A Adhonep e as igrejas em geral adeptas do culto pró-prosperidade veiculam um discurso enfático que visa especialmente àqueles que vivem crises e almejam melhores condições de vida, atrelando as mudanças positivas aos efeitos milagrosos da fé. Essa dimensão é perceptível no depoimento de um entre milhares de empresários convertidos ao pentecostalismo:
Eu tenho nível superior, sou formado em administração de empresas. Tive tudo. Fui diretor do Grupo ... até o ano de 91, quando entramos em concordata. Passei por diversos problemas financeiros, montei uma empresa e depois de quatro anos ela quebrou. Foi quando eu tive um encontro com Jesus em 96. Separei-me da minha esposa por dois anos e sete meses e Deus operou maravilhas e me deu meu lar de novo, reconstruído. E hoje eu estou passando um processo de restauração. Estou recuperando tudo aquilo que eu perdi, o que o devorador levou, Deus está me dando de volta. Então a minha vida hoje, profissionalmente, está sendo restaurada dentro do princípio da palavra de Deus[7].
Os depoimentos de homens de negócios pentecostais proferidos em reuniões da Adhonep normalmente se baseiam num quadro de extremas limitações envolvendo falência empresarial, fracasso na vida conjugal; situações que abalam a estabilidade de um indivíduo de classe média.
As pessoas que estão se deslocando para as igrejas pentecostais, oriundas das camadas médias, constituem as categorias sociais mais expostas às crises econômicas do que quaisquer outras. No caso da Adhonep, seu quadro de associados é marcantemente constituído de micro e médioempresários e de prestadores de serviços autônomos.
Estes estabelecem uma substancial identificação com a nova forma religiosa do discurso pentecostal. A retórica sobre o sagrado segundo a visão teológica da prosperidade contempla, portanto, pessoas situadas nos ramos da atividade produtiva e que vivem intensamente sob estresse e sob uma luta em prol da conquista por espaços estáveis na economia brasileira. Não é por acaso que a Associação de Homens de Negócio do Evangelho Pleno agrega, sobretudo, os contingentes mais estressados da economia brasileira. Para Costa (1974), os setores médios vivem sob o emblema do sacrifício, em decorrência da necessidade de fortalecimento de sua ética ascensional. Na tentativa de maximizar o seu poder socioeconômico, esses setores sociais se impõem pesados sacrifícios em dinheiro, tempo, prazeres e emoções. Mas, se tais posturas contribuem como suportes psicológicos de sua ética ascensional, por outro lado produzem toda uma gama de traços de natureza depressiva e revelam um certo grau de indigência emocional.
Os novos rumos que o mercado capitalista tem adotado nas últimas décadas, inspirados na ideologia neoliberal, têm fragilizado cada vez mais os setores médios da sociedade brasileira. Como fora dito, esses setores, em sua grande maioria, subsistem de capitais investidos por terceiros na economia do País oriundos de investimentos nacionais e internacionais. Fundamentada em privilegiar a consolidação dos monopólios mundiais, a política capitalista vigente pouco contempla as demandas de investimento local, antevê um plano de pagamentos de baixos salários e importa a tecnologia industrial, reduzindo o uso local do quadro de técnicos de alta especialização (Costa, 1974).
Um retrato fiel dessa problemática veio ao conhecimento do público brasileiro através de estudo realizado pelo IBGE acerca do comportamento da economia nacional nos últimos dez anos (1992 - 2002), cujo resumo foi divulgado pela Revista Veja. Os dados demonstraram que no período o País não cresceu, o desemprego subiu e a renda da população ocupada com ou sem carteira caiu[8].
O quadro econômico nacional repercute sensivelmente nos setores intermediários da sociedade, reconhecidos na qualidade de áreas mais dinâmicas do processo produtivo. Dados do SEBRAE, divulgados também pela Revista Veja, mostram que de cada dez apenas três novos negócios chegam ao quinto ano de vida no Brasil. As possibilidades de sucesso no ramo empresarial são mínimas e aquelas novas empresas que conseguiam sobreviver só permaneceram no mundo dos negócios porque dispunham de dinheiro suficiente para movimentar e contavam com reservas para enfrentar as flutuações de mercado; além disto compatibilizaram os preços de seus produtos com o mercado e com sua expectativa de remuneração[9]. Não é sem razão que o movimento pentecostal da teologia da prosperidade que chega ao Brasil em fins dos anos de 1970 começa a ganhar notoriedade e a fazer adeptos notadamente nos anos de 1990.
Os medioempresários, os microempresários e os profissionais liberais vivem no mercado sob choque, tentando abrir espaços e manter conquistas, amedrontados dia e noite pela ameaça da perda do padrão de consumo e de seu estilo de vida conquistado a duras penas. Além daqueles traços de natureza depressiva e de indigência emocional, constatados por Costa (1974), as camadas médias introjetam, como afirmou Ribeiro (1983), um sentimento de rancor e de amargura pronto a eclodir, tanto com respeito aos que estão acima como e, principalmente, contra os que estão abaixo.
Depressão, temores, instabilidade, rancor e amargura podem ser indícios de um panorama psicológico a refletir o lugar social que as camadas médias ocupam na dinâmica da produção da vida material. Em virtude da natureza dos seus desafios sociais, esses setores trazem, subjacentemente, uma predisposição para o consumo de bens sobrenaturais de salvação. Não é mera eventualidade o fato de que pouquíssimos associados da Adhonep enquadram-se na categoria de grandes empresários, ou seja, donos de empresas que empregam 500 ou mais funcionários.
As recentes transições na cultura pentecostal aparentam ser, também, subjacentemente, orientadas por uma lógica religiosa identificada com as novas tendências de mercado[10]. O meio empresarial do mercado, acompanhando certas tendências conjunturais, tomou iniciativas para ampliar cada vez mais sua aproximação com a religião, mediante a inserção de práticas de espiritualidade no ambiente de trabalho e da atribuição de uma aura milagrosa ao consumo, visando a fortalecer alianças tendo por finalidade a máxima produtividade[11]. Essa sinalização do mercado parece ter sido bem recebida por diversas igrejas pentecostais clássicas e contemporâneas; estas partiram na frente das demais organizações cristãs, voltando estrategicamente sua atenção para práticas da gestão empresarial do trabalho religioso, incentivando a produtividade e o consumo de qualidade, instituindo sistemas profissionais de marketing e propaganda, diversificando suas ofertas de serviço, incorporando uma nova semântica que ativa as expectativas de consumo e a mobilidade social ascendente. Ora, estas novas orientações éticas vão suscitar outras perspectivas, vão reconfigurar os conceitos que a sociedade outrora atribuíra ao pentecostalismo
Entre neopentecostais e pentecostais as semelhanças podem ser muito maiores do que o discurso tradicional da mídia pode revelar. Grande número de frequentadores de ambas busca a mesma salvação da alma pelo viés da realização financeira. As crises pessoais, econômicas, conjugais ou de relacionamento, estão no centro do discurso dos fieis de novos movimentos de fieis.
Por trás de todos os fenômenos, subsistem dois tipos de caminhos para reflexão. Uma parte, segue a busca do entendimento sobre as razões da existência, tentando compreender a sociedade pelo ponto de vista da religião. Na ponta oposta, os mesmos textos bíblicos servem para explicar e justificar a ambição em sobreviver com maior conforto.
O discurso central desta nova teologia é a crise econômica. A Adhonep e as igrejas em geral adeptas do culto pró-prosperidade veiculam um discurso enfático que visa especialmente àqueles que vivem crises e almejam melhores condições de vida, atrelando as mudanças positivas aos efeitos milagrosos da fé.
Os salões de culto, excetuando-se as comunidades pentecostais periféricas, misturam gente que se veste de modo simples, com outros que ostentam artigos de griffe; entre os que se encontram no espaço comum de adoração, uns chegam em carros novos nacionais ou importados, vindos de bairros elegantes, outros chegam em transporte coletivo vindo de vários pontos dos subúrbios e da periferia.
Novas comunidades pentecostais já nascem longe da periferia e dos meios populares; seus cultos são realizados em salões de hotéis e em buffets; seus membros são profissionais liberais, funcionários públicos, militares graduados, profissionais e executivos bem remunerados, empresários de micro ou médias empresas. São gente que participa da agenda social característica de sua classe. Existe no Brasil desde o fim da década de 1970 uma associação pentecostal que agrega milhares de pessoas do mundo dos negócios[1]. O público consumidor de artigos pentecostais não é mais o mesmo de décadas atrás.
A presença medrante de membros dos segmentos médios da sociedade no pentecostalismo é fato inusitado no campo de pesquisa da Sociologia da Religião no Brasil[2]; consiste num acontecimento recente que contraria os prognósticos da maioria dos trabalhos que analisaram noutras épocas a presença da Igreja Pentecostal no Brasil e viram nela uma fraternidade de pobres. Rumando em sentido contrário ao catolicismo e ao protestantismo, que estiveram sempre próximos dos grupos situados nas faixas intermediárias e no topo da pirâmide social, o pentecostalismo nasceu e se desenvolveu entre os pobres, marco de sua gênese tanto no Exterior, Estados Unidos – 1907, como na América Latina e no Brasil em 1910[3].
O que estaria ocorrendo com os antigos valores sociais da religião pentecostal? Durante décadas, essa modalidade religiosa foi reconhecida pelo meio científico e pelos media como sendo uma instituição que dera suporte sagrado ao gemido dos pobres e, através do rito, criara uma teodicéia compensatória às ausências materiais vividas pelos socialmente desfavorecidos. Como essa identidade de classe estaria sendo quebrada de modo que a crença gradativamente deixa de ser exclusiva dos excluídos, passando a exercer contínua atração sobre gente oriunda de setores que estão além da zona da pobreza?
De outro lado indaga-se: o que aconteceu com os ideais religiosos dos segmentos médios da população? Os grupos que estão para além da faixa da pobreza tendiam a ser religiosamente orientados por determinações racionais, menos afeitos ao emocionalismo e mais aptos à reflexão. O que mudou nos horizontes culturais de um número considerável de membros desses grupos sociais que se deslocam aos recintos pentecostais a fim de consumir bens mágicos e encontrar no misticismo religioso subsídios para satisfação de demandas existenciais?
As instituições religiosas são de natureza histórica e se estabelecem historicamente em função do diálogo com a cultura geral da sociedade. As alterações que acometem as formas institucionais de uma crença ao longo de sua existência não são acontecimentos exclusivamente particulares ao campo religioso. Não existe comunicação nem práticas religiosas sem contexto; as formas de crer são respostas que nascem da interação das pessoas com os ambientes. Sendo um acontecimento humano de natureza coletiva, a crença é resultado de conjunturas sociais dispostas em etapas inter-relacionadas, dentro de processos cumulativos, numa rede de fatos que exercem influência nas formas de simbolização religiosa dos indivíduos (James, 1995 e Houtart, 1994). Evidentemente que as alterações na produção e no consumo de bens pentecostais no Brasil não ocorre fora de uma conjuntura cultural que em parte as explica.
Em princípio se deve entender que a presença de pessoas dos segmentos médios da sociedade no pentecostalismo não se apóia exclusivamente na apropriação de regras mercadológicas por parte da crença, como se os fenômenos inerentes ao campo religioso estivessem sob direta e exclusiva influência dos agentes econômicos (externos). Com efeito, não basta analisar a proximidade entre pentecostalismo e segmentos médios para em seguida submetê-la a regras de interpretação mercadológicas, concebendo as práticas pentecostais isoladamente como implementadoras de métodos institucionais do mundo econômico. Mesmo que se considere o vultoso valor que o setor econômico assumiu a partir da secularização da sociedade (Berger, 1985), passando a influenciar os demais campos sociais, seria um grave equívoco imaginar que as pessoas viriam exclusivamente obter, no meio pentecostal, bens que o mercado se tenha negado a dar.
Há possivelmente uma explicação mais ampla para os vínculos que associam o culto pentecostal a determinados segmentos das camadas médias: o desencadeamento de transformações nas características gerais da produção e do consumo social de bens de salvação, sob influência de novas tendências de consumo do mercado[4]. Nesse contexto de análise, a cultura do máximo consumo teria a sua versão pentecostal traduzida pela teologia da prosperidade[5]. Isto aponta para uma possível interseção de fatores envolvendo a natureza fluída da crença pentecostal e os novos anseios do consumo social.
A teologia da prosperidade é o mais recente produto da racionalidade pentecostal e consiste num tipo de materialização do sucesso e da proeminência social. Sua ética tem promovido um considerável deslocamento da ênfase doutrinária pentecostal, subtraindo o acento direcionado à felicidade do espírito no porvir celestial e priorizando as benesses do corpo no tempo presente. Sob a bandeira da prosperidade, os segmentos médios estariam sendo atraídos, não mais em proporções numericamente reduzidas, como ocorria antes da década de 80, na qual o convertido das camadas médias renunciava aos valores próprios de sua classe e assimilava os valores das classes populares sacralizados pela doutrina pentecostal:
Você pode escrever o que vou lhe dizer: Deus vai virar este país pelo avesso; usará para isso, de maneira poderosa, uma multidão de homens de negócio. Deus está libertando muitos homens de negócio, resolvendo muitos problemas de casais, convertendo famílias. Quando atingirmos o Brasil de norte a sul esta nação vai mudar. Muitos pequenos empresários se tornaram grandes empresários. Aprenderam o segredo para que suas finanças crescessem. Sendo fiéis no dízimo e nas ofertas, as janelas do céu são abertas, isto é, novas portas de negócios surgem à nossa frente. São incontáveis os empresários que são abençoados, pelo fato de estarem agindo em harmonia com a Palavra de Deus. É que ela não falha! E foi justamente isso que progressivamente foi acontecendo. A Adhonep é hoje uma instituição nacional conhecida e respeitada de norte a sul [6].
O discurso central desta nova teologia é a crise econômica. A Adhonep e as igrejas em geral adeptas do culto pró-prosperidade veiculam um discurso enfático que visa especialmente àqueles que vivem crises e almejam melhores condições de vida, atrelando as mudanças positivas aos efeitos milagrosos da fé. Essa dimensão é perceptível no depoimento de um entre milhares de empresários convertidos ao pentecostalismo:
Eu tenho nível superior, sou formado em administração de empresas. Tive tudo. Fui diretor do Grupo ... até o ano de 91, quando entramos em concordata. Passei por diversos problemas financeiros, montei uma empresa e depois de quatro anos ela quebrou. Foi quando eu tive um encontro com Jesus em 96. Separei-me da minha esposa por dois anos e sete meses e Deus operou maravilhas e me deu meu lar de novo, reconstruído. E hoje eu estou passando um processo de restauração. Estou recuperando tudo aquilo que eu perdi, o que o devorador levou, Deus está me dando de volta. Então a minha vida hoje, profissionalmente, está sendo restaurada dentro do princípio da palavra de Deus[7].
Os depoimentos de homens de negócios pentecostais proferidos em reuniões da Adhonep normalmente se baseiam num quadro de extremas limitações envolvendo falência empresarial, fracasso na vida conjugal; situações que abalam a estabilidade de um indivíduo de classe média.
As pessoas que estão se deslocando para as igrejas pentecostais, oriundas das camadas médias, constituem as categorias sociais mais expostas às crises econômicas do que quaisquer outras. No caso da Adhonep, seu quadro de associados é marcantemente constituído de micro e médioempresários e de prestadores de serviços autônomos.
Estes estabelecem uma substancial identificação com a nova forma religiosa do discurso pentecostal. A retórica sobre o sagrado segundo a visão teológica da prosperidade contempla, portanto, pessoas situadas nos ramos da atividade produtiva e que vivem intensamente sob estresse e sob uma luta em prol da conquista por espaços estáveis na economia brasileira. Não é por acaso que a Associação de Homens de Negócio do Evangelho Pleno agrega, sobretudo, os contingentes mais estressados da economia brasileira. Para Costa (1974), os setores médios vivem sob o emblema do sacrifício, em decorrência da necessidade de fortalecimento de sua ética ascensional. Na tentativa de maximizar o seu poder socioeconômico, esses setores sociais se impõem pesados sacrifícios em dinheiro, tempo, prazeres e emoções. Mas, se tais posturas contribuem como suportes psicológicos de sua ética ascensional, por outro lado produzem toda uma gama de traços de natureza depressiva e revelam um certo grau de indigência emocional.
Os novos rumos que o mercado capitalista tem adotado nas últimas décadas, inspirados na ideologia neoliberal, têm fragilizado cada vez mais os setores médios da sociedade brasileira. Como fora dito, esses setores, em sua grande maioria, subsistem de capitais investidos por terceiros na economia do País oriundos de investimentos nacionais e internacionais. Fundamentada em privilegiar a consolidação dos monopólios mundiais, a política capitalista vigente pouco contempla as demandas de investimento local, antevê um plano de pagamentos de baixos salários e importa a tecnologia industrial, reduzindo o uso local do quadro de técnicos de alta especialização (Costa, 1974).
Um retrato fiel dessa problemática veio ao conhecimento do público brasileiro através de estudo realizado pelo IBGE acerca do comportamento da economia nacional nos últimos dez anos (1992 - 2002), cujo resumo foi divulgado pela Revista Veja. Os dados demonstraram que no período o País não cresceu, o desemprego subiu e a renda da população ocupada com ou sem carteira caiu[8].
O quadro econômico nacional repercute sensivelmente nos setores intermediários da sociedade, reconhecidos na qualidade de áreas mais dinâmicas do processo produtivo. Dados do SEBRAE, divulgados também pela Revista Veja, mostram que de cada dez apenas três novos negócios chegam ao quinto ano de vida no Brasil. As possibilidades de sucesso no ramo empresarial são mínimas e aquelas novas empresas que conseguiam sobreviver só permaneceram no mundo dos negócios porque dispunham de dinheiro suficiente para movimentar e contavam com reservas para enfrentar as flutuações de mercado; além disto compatibilizaram os preços de seus produtos com o mercado e com sua expectativa de remuneração[9]. Não é sem razão que o movimento pentecostal da teologia da prosperidade que chega ao Brasil em fins dos anos de 1970 começa a ganhar notoriedade e a fazer adeptos notadamente nos anos de 1990.
Os medioempresários, os microempresários e os profissionais liberais vivem no mercado sob choque, tentando abrir espaços e manter conquistas, amedrontados dia e noite pela ameaça da perda do padrão de consumo e de seu estilo de vida conquistado a duras penas. Além daqueles traços de natureza depressiva e de indigência emocional, constatados por Costa (1974), as camadas médias introjetam, como afirmou Ribeiro (1983), um sentimento de rancor e de amargura pronto a eclodir, tanto com respeito aos que estão acima como e, principalmente, contra os que estão abaixo.
Depressão, temores, instabilidade, rancor e amargura podem ser indícios de um panorama psicológico a refletir o lugar social que as camadas médias ocupam na dinâmica da produção da vida material. Em virtude da natureza dos seus desafios sociais, esses setores trazem, subjacentemente, uma predisposição para o consumo de bens sobrenaturais de salvação. Não é mera eventualidade o fato de que pouquíssimos associados da Adhonep enquadram-se na categoria de grandes empresários, ou seja, donos de empresas que empregam 500 ou mais funcionários.
As recentes transições na cultura pentecostal aparentam ser, também, subjacentemente, orientadas por uma lógica religiosa identificada com as novas tendências de mercado[10]. O meio empresarial do mercado, acompanhando certas tendências conjunturais, tomou iniciativas para ampliar cada vez mais sua aproximação com a religião, mediante a inserção de práticas de espiritualidade no ambiente de trabalho e da atribuição de uma aura milagrosa ao consumo, visando a fortalecer alianças tendo por finalidade a máxima produtividade[11]. Essa sinalização do mercado parece ter sido bem recebida por diversas igrejas pentecostais clássicas e contemporâneas; estas partiram na frente das demais organizações cristãs, voltando estrategicamente sua atenção para práticas da gestão empresarial do trabalho religioso, incentivando a produtividade e o consumo de qualidade, instituindo sistemas profissionais de marketing e propaganda, diversificando suas ofertas de serviço, incorporando uma nova semântica que ativa as expectativas de consumo e a mobilidade social ascendente. Ora, estas novas orientações éticas vão suscitar outras perspectivas, vão reconfigurar os conceitos que a sociedade outrora atribuíra ao pentecostalismo
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